Wednesday, March 27, 2019

Que fazer? ou biografia da tragédia perene.

Não lembro de fins “de boas”. Julga-se tão racional e preza por explicações lógicas, que às vezes imagina que isso só sirva para esconder a emotividade reprimida. Olhar em retrospecto para os acontecimentos faz crer maluco, teimoso impertinente, ou ainda, um devoto de perigos perenes, que surgem como tempestade a minha frente, e, corre para o afogamento.

Todos os eventos, pessoas envolvidas e orixás/entidades são invenções, até que se prove o contrário mnemônico,  a concidência com a realidade é isso mesmo, mera coincidência. 

O primeiro relacionamento, ainda cedo adolescência, foi com uma menina mais velha, três anos fazem muita diferença. Com 13 estava decidido na aventura mais profunda, ir a praça do bairro vizinho de bicicleta, desafiando as fronteiras e querelas territoriais, tudo para tomar soverte e pegar na mão, ou, no máximo, uma vez por mês no cinema. Ela, aos 16, estava interessada em outras coisas, desde maquiagem, ao intercambio no exterior ao fim do ensino médio. O potencial máximo estava alí: temáticas de Cavaleiros do Zodíaco, o incrível campeonato brasileiro de 1999 vencido pelo Corinthians e o próximo lançamento do Cannibal Corpse. Motivo lógico: mulher x menino do bucho amarelo.

O segundo foi de fato relacionamento, pois era um acordo entre seres com mesmo objetivo. Foi aquele de escola, do espírito da época: eram vários meninos e meninas aproveitando a escola no contra turno, jogando basquete, vandalizando salas ociosas, pilhando os recém inaugurados shoppings, caotizando tudo pela frente uns com os outros. Ela ficou com vosso melhor amigo. O cara que tinha, literalmente, levado nos braços quando arrebentou o joelho. Erguido com a ajuda dele num lance de escada. Nos primeiros dias, pós joelho arrebentado, ela ia na casa deixar a tarefa da escola. Mas depois deixou de ir. E quando voltou às aulas, uns 15 dias depois, tudo já estava diferente. Sofreu pra caramba pela primeira vez, de verdade, mudou de escola. Motivo lógico: ilusão monogâmica e chifre de brother.

Noutro, pintada a mulher ideal, finalmente parece que tinha conseguido-a. Poucos meses depois, num carnaval, igual a este, numa viagem a este sítio, ela teve a mente contaminada pelo ardiloso irmão e um amigo dele, cujo objetivo era ficar com ela. Ela expurgou alí mesmo, por telefone, numa barreira de terra, único local aonde tinha sinal de telefone. Ao chegar para “conversar”, a única coisa que teve foram os livros de RPG de volta; ao menos. Motivo: pilantragem de irmão.

Os outros micro-relacionamentos que se seguiram parece que foram tomados pela altivez da idade adulta batendo à porta (ao menos a biológica).  Parece que os hormônios tinham sido amestrados, finalmente, pelas sinapses da racionalidade, com as rédeas nas mãos passou a correr menos aperto neural. Quer dizer, menos em intensidade. Entendeu que na verdade a gente não gosta nem deseja as pessoas pelo corpo ou pela aventura somente, mas pela afinidade, pela aproximação de gostos, lugares e impressões de mundo similar. Isso nem de longe significa estabilidade. A música, o rock, o metal, eram e ainda são parte fundante da sociabilidade. Melhores amigos e, obviamente, mulheres tinha de ser vinculados minimamente a este meio. Eis que pegava um busão, dois fins de linha. Saído do estágio, que pagava à época 200 reais (meio salário). Eram duas horas no horário de pico, duas vezes por semana, para escutar metal, beber coca-cola, cerveja, transar e desbravar o Zona Oeste da Cidade. Até que um dia, num dos momentos de pessoa autoritária, a sandália dela quebrou. Na cabeça bastava ir na Americanas e comprar uma chinela de dedo (a havaiannas, neste tempo não custava um Espedito Seleiro, ainda). Mas não, a general decidiu que queria um “scarpin”, coisa que sequer tinha ouvido falar na vida, custava ¼ do salário mensal. Não foi um pedido, foi imposição. A esta, outras seguiram: onde andar, com quer ir, o que beber (eu odeio Antártica) e o pior de tudo, o fim da picada, quais bandas gostar. Motivo lógico: Autoritarismo não combina com metal melódico.

As filhas de Iansã são uma coisa insana. Mexem e cegam de tudo que é jeito. Sendo estas ainda filhas de uma mãe de santo sagaz, de Ogun, era tão límpido quanto éter que ia dá merda. Foi talvez a primeira vez, com a racionalidade no lugar, que percebeu que estava numa enrascada. Não só sendo usado, porque há certo prazer nisto, mas tendo a energia (sim, materialista, mas acredita “nessas coisas”) sugada e utilizada na constituição religiosa, pois firmando compromissos de ordem espiritual cuja única motivação parecia ser a presença da filha de Oyá. No fim, descobre que não era o único, havia um namorado oficial, que também não era o único. Oficial num era, ou se virou, porque ele ainda era sargento, mas demonstrava especial interesse por ameaçar os caras que faziam a mulher dele ter orgasmos. Clichê Nelsoniano, mas no fim, o destino meio que tirou de lá a força, pois se dependesse só dele e de Oyá continuaria lá, enfeitiçado. Motivo lógico: amarração de Oyá desfeita pelo Caboclo Pena Branca.

Depois aí sim de um bom tempo na graduação, de muitos shows de metal, de aproveitar um tanto a vida, eis que surge a companheira com quem passou, entre idas e vindas quase 10 anos. Num dos parênteses, entretanto, um amor-amizade. Cuja afinidade profissional, de visão de mundo e de objetivos parece que foi torrencial ao ponto de não cessar até hoje. Não há mais amor, mas um carinho, afeto e amizade raros nestes dias. Mas então, o fim se enquadra como “de boas”? Ora, e se vai perder a chance de um final trágico? Lógico que ela descobriu que apesar de estar lá, ainda visitava a ex de vez em quando, mesmo despois de um tempo sem fazê-lo. Houve uma repreenda moral tão suave que nem parecia um ensinamento de vida, mas só foi assim até entender o real sentido daquelas palavras. Depois doeu pra caramba e “fazer por merecer” foi pouco. Motivo lógico: não sabe brincar, não desce pro play.

O relacionamento voltou e só foi acabar tempos depois, inúmeras nuances, destas que merecem outros textos, apartes importantes no conjunto geral. Já fez e deve fazê-los ainda mais. Spoiler: acabou de maneira abrupta, dolorida e agressiva. Depois dele, entre viagens, cidades, uns e outros, bons afetos, ótimas companhias, mas nenhum plano, nenhum dia acordando a pensar noutra pessoa que não a si, depois da filha. Ótimas pessoas, mas histórias que marcam justamente por não marcar, não que não foram importantes, foram, mas só não assentaram, nem viraram memória porque de certo escolheu não levar a frente algo que não me parecia ter “um projeto”. 
  
Foco pro agora. No calor dos eventos, na apreensão do fim, no fim. Uma tese sendo feita, há de conseguir expressar isso direito. Não sei nem muito bem o que dizer, nem sentir. É a busca pelas conexões, levantamento de dados, análise dos eventos e acontecimentos, processamento das relações causais e consequenciais das escolhas na diacronia, separação das associações por categorias (obrigado Latour), escalonamento das métricas comparativas, constituição dos sentidos e significados e, por fim, compreensão do fenômeno, numa representação histórica, concreta experiencial-sensorial-vivida pelos sujeitos. Grandes merda! Monte de palavra bonita, às vezes sem sentido aparente, que serve de ciência para isso quiçá. O problema é que depressão, ansiedade, insegurança tudo cobra seu preço. Quando se baixa a guarda, quando a situação sai do controle tudo desmorona. Seja para quem diz, ou para quem ouve. O que fazer? É uma questão amarga de responder: pra frente é que se anda, a vida leva e traz (obrigado Sandra de Sá e Alice Caymmi); sentir a gente ainda sente, gostar também, mas se for necessário algum entendimento do que acontece, não sabe mais uma vez, o que será possível. "Eu tô tentando, juro que tô tentando".  Mas e aí, acabou mesmo? Bem, “já tem meio mundo sabendo” que sim, mas ainda tem o outro meio. Motivo:____________________    

Wednesday, November 02, 2016

Praticamente inofensiva. 1


Estou aqui por dois motivos básicos. O primeiro remete à necessidade de escrever e dar vazão ao sentimento por meio de letras. Esta coisa que impede que nos expressemos melhor. Isso já nos trai no momento da análise quando a psicanalista começa: “pode falar, fique à vontade para começar por onde quiser”. Daí em diante é só caos, desordem.

O segundo remete aos últimos acontecimentos na minha vida pessoal. Não posso passar por eles sem um belo esforço reflexivo de entender quais demandas não consegui lidar desde o último post. Faz tempo, muito tempo. E posso relacionar tudo com o primeiro motivo: deixei de escrever e me tornei pior. Ou não. Sem tempo de conseguir desopilar. Se faltou isto, a rotina dominou. Sentar ao fim de uma densa leitura científica e conseguir relaxar em uma boa literatura. Eu não consigo, sei que há gente que consegue. Não consigo fazer várias coisas. Então vou começar.

Não me lembro ter escrito algo de muito amoroso para minha ex-mulher. Ela sabe e com toda razão protestara sobre. Na verdade, a coisa mais afetuosa que escrevi para ela foi alguns dias depois que ela saiu pela porta do apartamento com poucas roupas e a convicção de que não voltaria. Uma carta de 6 (relativas longas) páginas tentando fazer um estatuto do balanço da arte do nosso relacionamento utilizando verbos no futuro do pretérito, aquela conjugação do que deveria ter sido, mas não foi. Que bom que pude expressar a mediocridade com tanta formalidade. A carta foi um apanágio. Não era para ter sido aquilo, mas foi. No fim deixei em aberto a possibilidade de um retorno, que no fundo sabia que nunca ia acontecer.

O fim, a estória toda é momento talvez para...outro momento.
Agora, serei sincrônico pois preciso cumprir uma promessa jornalística à uma editoria. Não para um jornal, fiquemos com a informação original.
Depois do término trágico (é a única coisa que posso dizer sobre isso agora), pois todos eles assim os são, decidi que o melhor seria me afastar um tanto desses convívios sociais com mulheres até ter a vida financeira assegurada. Ledo engano, não foquei num concurso para efetivo nem no projeto de doutoramento. Conheci várias pessoas legais, moças ótimas. Tornei-me usuário mais ou menos regular de aplicativos de encontro/paquera/pegação/putaria. Para observar e adotar. Gente diversa com propostas diversas e visões de mundo tão diversas. Voltei a tentar afetos antigos dos quais havia quase certeza que seria muito bom revisitar, não foram. Uma. A primeira foi bem interessante. Nunca tinha feito aquilo na vida: conversar com alguém e depois de algumas horas estar na cama com a pessoa. Genial.

Depois de algumas incursões as coisas ficam chatas. Maçantes mesmo, cria-se quase um texto padrão de apresentação com os temas: afinidades, interesses, viagens, propostas, profissão. É impossível sair disto ao menos nos primeiros dias. A não ser que se encontre uma pessoa disposta a falar isso tudo no durante o processo.

Aquela primeira foi quase assim por motivo que lembro bem; uma suposta rigidez como eu a tratava; não caminhamos juntos. Era uma boa menina, mãe solteira guerreira, gente fina de uma área de atuação que sempre achei interessante do ponto de vista do olhar, a moda, mas não agregou. Tive um solapo breve. Passou. Passaram, passarinhas.

Eis que de repente, não mais que isto, surge mais uma destas boas moças nos aplicativos. Não a segunda. Nerd/geek, literata, bonita. Dou um coraçãozinho, anoto os amigos em comum. Observo as fotos, o instagram. Nossa! Que pessoa mais cult e charmosa. Fui nos amigos em comum do facebook, graças ao interligar da base de dados. Decidi escrever para esta moça mesmo sem esperar pelo match do tinder. Sábia decisão impetuosa. A moça, acho que por gentileza ou surpresa leu meu argumento e deve ter ficado, penso eu, curiosa e assustada com um estranho, não tão bonito, sem muita lábia, sem muito charme nem glamour. O que eu tinha de fato? Sei lá, coragem? vontade? Qualquer dia pergunto.

Importante dizer é que conversamos bem, ao ponto de eu não ligar para as outras conversas. Aos poucos a seleção natural foi estabelecendo. Inteligente, sedutora, sarcástica, libidinosa, encrenqueira, teimosa. Apossou-se da minha atenção. Quando saímos e eu fitei aqueles olhos esbugalhados (míopes), pretos (baixos/oblíquos) gostei do que vi lá dentro. Optamos por tomar um drink, nos conhecer e ver o que daria. E deu. E deu bem legal. Não só o sexo, mas a sinergia que rolou junto. O afeto de querer bem, estava presente desde já. Daí me perguntei o que seria dessa coisa.

Parei de perguntar, acho mais interessante só sentir e viver. Somos, por enquanto protagonistas de uma coisa bem interessante, dessas que tomam conta do dia inteiro em pensamento. Do momento de dar bom dia até o cafona boa noite. De dar carona, de deixar em casa. É gentileza, mas é afeto também. Olhar dentro dos olhos dela enquanto fazemos sexo é como mergulhar num buraco negro em que vejo novas estrelas, novos universos se formando, ao mesmo tempo que outros destroem-se. É metonímia, não metáfora. Sei que lá ela tem essa capacidade de destruir e de recriar. Eu, precisado de busca interior, de refletir a partir de mim, percebo em refração à pessoa que tira meu sono e me embala para dormir.

De tanto não procurar, de não buscar, acho que não encontrei, mas fui encontrado. Eu precisava disto. Creio ter usado muito o verbo, sim nosso amigo do em “começo que se fez”, universo (que ela teima em não chamar de outra coisa) ou no texto, aonde começamos, vai ter de mudar. Acho e só acho, por enquanto para não alimentar nenhuma expectativa que venha por ser frustrada, que vai ser deixado de ser conjugado no “eu” e vai passar para o “nós”. Será? Sei não, vou consultar os búzios... 

Sunday, December 19, 2010

Crônica recifense vol. 1

Quando se começar a sentir-se de dentro

Só existe uma maneira de se sentir alguém numa cidade: andando, mas não transitando de ônibus ou carro, não de trem, sim caminhando mesmo, vendo de dia e de noite o movimento. Assim começo a me sentir no Recife, a capital pernambucana. Um trajeto longo para chegar até aqui permeado de recusas e frustrações, ora evidenciando um bairrismo ufanista arraigado, ora afetado pela cultura do medo implantada aqui, como quase em toda cidade grande do Brasil. Já há algum tempo comecei a me afeiçoar por esta cidade. Tudo já meio que desembocava na festa do Morro da Conceição quando acompanhado por Wagner um amigo meu do departamento de sociologia da UFPE, marcamos de ir a festa do Morro da Conceição. Segui as indicações dele peguei ônibus Barro Macaxeira na BR 101 em direção a zona norte, desci no terminal de integração da Macaxeira e tomei o Parnamirim. Perguntei ao motorista e ele me confirmou que este ônibus passa no parque da Jaqueira. Mais um dos lugares que nunca tinha visto até então. Mas se bem que pensando bem, tudo começou antes, quando a Fernanda ainda estava aqui para tentar o mestrado em Sociologia. Com ela, Wagner, eu, Humberto e Andreane, demos várias buscas pela balada perfeita. Eu particularmente não sou de freqüentar balada, nem uso essa palavra no meu cotidiano só estou começando a usar agora depois de perder as raízes headbangers de Fortaleza. Perder não, acalmar por hora. Andamos muito de carro, mas muito mesmo, no movimento por achar algum lugar interessante que pudesse ter diversão, comida, bebida e que fosse preferencialmente barato para bolsistas poderem pagar. Mas de carro não se conhece a cidade como disse, mas se instiga. Eu me instiguei vendo ruas, avenidas, becos, bares, e o povo fazendo simplesmente nada, só o que sempre fazem. É um clichê, mas é cotidiano que me atrai, demais. Então passando pelo Guaimun Gigante, Shopping Plaza, fomos terminar no bom e antigo Recife velho em busca de um show com bandas conhecidas dos nativos, umas bandas das “ciências sociais”. Acabamos chegando numa festa do povo da comunicação, cinema, artes plásticas e letras. Bem acho que essa descrição é suficiente.

Então depois dessa instigada e Fernanda ter ido embora chegava o dia da festa do Morro da Conceição. Bem como de um candomblé que tinha sido convidado a participar. No dia 8 de dezembro então me dei conta que esta cidade finalmente me afetou. Eu desembotei a cal e o mangue fétido. Os transformei em boas caminhadas regadas a conversas com meu amigo Wagner. O que me fazem lembrar, mas de maneira nenhuma tentar comparar, as épicas caminhadas com meu grande amigo e brother do peito Nicholas o homem que mais entende de metal que conheço. Até ano passado acho que conseguia dar conta de competir com ele. Hoje em dia não mais. Uma enciclopédia ambulante bebedora de coca-cola transbordante de sangue, vísceras, maldade e matemática. Mas muito meu amigo. Haverá um tempo pra contar “destas” caminhadas, por hora fiquemos com aquelas.

No dia da festa do morro me encontrei com Wagner no parque da Jaqueira e rumamos para o Morro, segundo ele uma caminhada breve 20 ou 30 minutos talvez. Passamos pelo Sítio Trindade e tirei umas fotos. E a caminhada começou a tomar a vontade de Wagner que dizia “vamos por aqui, por aqui, ali tem uma coisa, lá tem outra”. Quando percebi não era nada, era simplesmente o bairro com casas, mercados, mercearias, pet-shops, ruas, ora de calçamento ora asfaltadas. E muita descrição por parte dele. E o engraçado fui convencido de que aquele marasmo citadino em dia de feriado merecia alguma atenção e nele me encontrei. Parnamirim é um bairro de classe média, próximo a Casa-Amarela, que como diversos outros do Recife faz fronteira com uma favela. Passamos então pelo Mercado de Casa-amarela, a feira e já naquela altura estafados tomamos um caldo de cana de hum real. Logo depois disso chegamos na imponente Av. Norte que liga uma parte de Recife a outra, tipo uma Osório de Paiva de Fortaleza. E ao ligar, ela rasga por entre as casas com seu asfalto denso forjando de um lado prédios de classe média do outro um morro pobre. Os prédios mês ofuscaram, mas o Morro me encantou. E se indagado pelo Wagner qual caminho seguir a resposta saiu imediatamente como se fosse Nicholas me perguntando: “o mais longo e difícil”- foi a resposta automática. E a estada lá foi incrível, mesmo que não tivesse nada de estranho, não fosse um Marrocos com as construções com arabescos ou uma Paris neogótica, era tudo igual ao que vejo todos os dias, mas lá era diferente. Era o olhar que se deixava adestrar e por um instante desligado o foco automático, levado ao manual e ajustado de maneira diferente para então vislumbrar uma outra paisagem. Depois disso comecei a me questionar sobre o sentido da cidade pra mim e coincidentemente, descobri que meu orientador irá, no próximo semestre ofertar uma disciplina que me interessa. Se fosse com o foco no automático iria pensar: “Não preciso mais de créditos, vou me embora pra Fortaleza direto, mais seis meses nessa cidade pra que?”. Mas como o ajuste manual estava ligado o pensamento foi: “Rapaz, olha aí boa disciplina, vou ficar até junho então.” E assim decidi até então. A cidade me afeiçoou. Essa caminhada com Wagner durou, entre algumas paradas para hidratação, (caldo-de-cana no mercado de Casa-Amarela, coca-cola 1 litro em frente ao bar Acadêmico no Morro da Conceição, e água mineral no Pão de Açúcar de Parnamirim) aproximadamente 4 horas. Fomos terminar onde começamos no parque da Jaqueira onde ele mora.

Porém nenhuma experiência foi mais rica do que experimentar o submundo da noite free recifense. O show de Siba iria começar as 23:00 no pátio de São Pedro e me informaram que os eventos da prefeitura do Recife são pontuais. Duvidei mas fui afim de ver outras bandas Também: Alessandra Leão (mais uma pop-cult moderninha regional) e Issar (uma versão melhorada e negra da anterior com mais pitadas afro e mais experimentalismos; gostei mais dessa versão 2.0). E realmente às 23:20 Siba entrou no palco e só foi terminar lá pelas 01:30 da manhã. Qualquer palavra menor do que fantástico não descreve esse show. Ele e a Fuloresta são um dos melhores conjuntos do Brasil, oxalá do mundo. Ao fim do evento os colegas que me encontrei lá me ofereceram carona até um local que pudesse ficar melhor pra pegar buzão: recusei. Como na vinda observei que o movimento era muito grande fiquei pensando se ainda era seguro andar por lá. Era. Mas segurança de fato não passou tanto pela minha cabeça não, agora sei, que queria era passar pela Praça da Independência de novo, ver os tios vendendo CDs piratas, as barracas de cachorro-quente, as putas, os putos, os mendigos se aconchegando pra dormir grudados como arroz papado pra espantar o frio e dividir o crack e as paradas de ônibus lotadas de gente desbundada e lisa como eu. Parei, perguntei onde passava ônibus pra Caxangá e me indicaram. Lá cheguei, era já perto da Ponte Guararapes e aguardei. Nada do ônibus passar. Iria demorar ainda uns 20 min. Fitei a ponte ao fundo, observei o movimento, encarei e segui. Sim, isso pra mim foi bastante emblemático passar a Ponte Guararapes sozinho de madrugada foi um feito que só os muito familiarizados com ela o fariam. É um símbolo de insegurança, como quase toda ponte. Foi como atravessar aquele quarteirão na Praia de Iracema que leva da ponte velha para a ponte nova, Não pela avenida Pessoa Anta, pelo quarteirão de trás aquele putrefato sem iluminação com uma repartição pública desativada. A maior diferença que naquele momento também saltou aos olhos e me distraiu de qualquer evento que pudesse ocorrer: O Rio Capibaribe. Foi especialmente belo naquele momento. Acho que unicamente belo.

Ao sair da ponte tive a sensação de que estava chegando em algum lugar e não era em casa ainda, mesmo assim não me abateu um ódio mortal da distância ou do tempo que iria demorar para chegar. Passando pelas paradas de ônibus da Av.Conde da Boa Vista muita gente esperando os Bacuraus (nome dado aos ônibus madrugadores do Recife e Região Metropolitana). Como as paradas são seletivas para desafogar o trânsito decidi esperar entre uma e outra espertamente, como muita gente faz, pra correr em direção ao ônibus quando ele se aproximar. Poderia pegar uma boa variedade de ônibus desde que passem pela Caxangá perto do viaduto da BR-101. Quando então avistei um concorrido ponto de cachorro quente, daqueles salvadores em fins de noite. Me senti saindo de um show do finado Hey Ho Rock bar indo comer um cachorro quente e depois tomar um caldo de carne pra dissolver a cachaça na barriga, em frente ao Dragão do Mar, naquela Kombi branca que fica do lado da antiga alfândega agora Caixa Econômica. Comi o dogão em alguns minutos e estava pronto para pedir outro quando avistei uma condução. O ônibus Loteamento Santo Cosme e Damião passou, tomei ele. E muita gente também. Fui até o fim do ônibus a fim de ficar próximo da porta para descer. E em todo o trajeto fiquei imaginando ao ver um ponto de referência qual seria o seguinte e o seguinte e o seguinte: agora passamos pelo shopping, agora é o Mustang, a FAFIRE, Posto Shell, tá chegando no Derby, a Rua Benfica, O museu (da Abolição), A Caxangá...

Daí, o momento de descer e andar pelos inóspitos 3 quarteirões que levam da Av; Caxangá a meu apartamento se aproximava. Comecei a me sentir preocupado e ansioso, pois teria de andar rápido e estar atento a movimentação. Ali, depois do Extra, desci. E quando olho, quem desce comigo? Não sei, um sujeito qualquer. Mas um daqueles pseudo-playboy de periferia, estereótipo misto de jogador de futebol e surfista. Camisa de marca de surf, bermudão da Puma, sapatilha, um cordão, uma pulseira e claro, um boné (amarelo marca-texto). É, essas pessoas andam de boné de noite. Ainda era um sujeito do meu tamanho só que ao invés de gordura, músculo. Aí pensei: “pronto se o cara vier roubar a gente vai ter de ser muito corajoso pra encarar dois cabras desse tamanho”. E começamos a andar próximos (mas nem tanto) o suficiente pra burlar a visão de quem quisesse nos atacar, éramos cúmplices silenciosos na presença um do outro em busca de segurança (acho que isso pode ser só meu ponto de vista ele poderia estar muito bem pouco se importando, pois aquele caminho já deveria estar cartografado pra ele). Fomos assim até meu prédio, quando entrei, ele continuou a saga, solitário, mas deve ter chegue bem ao seu destino. Chegando em casa, um banho decente uma última verificada no email, um copo de água gelada e cama.

Essa narrativa é só pra externar o que me surpreendeu ultimamente: A cidade do Recife.

Friday, June 05, 2009

Estar de mudança.

Toda mudança nos prega uma sensação de sofrer por antecipação. É desta sensação que gostaria de falar hoje. Só dela.

É uma mediação complexa tratar do fim de algo, que já tem uma história própria e o início em potencial de outra que reivindica sua própria história. Esta história pode ser meramente uma estória, quem sabe?, mesmo assim ocorre o gelo espinhal tradicional. Acredito que não seja do "fim" propriamente dito que temos fobia, muito menos do "início d' outro". Temos medo é da sensação desse trato, a priori, parte das escolhas individuais de cada um. Se fosse tão bem compactuado, tão bem escolhido não teríamos esse medo, esse ranço. Porque o é?

É justamente pela impotência que as vezes nos abate como cordeiro manso, no cotidiano fugral. E nem de deus/Deus estou falando, é coisa mais simples, que beira a banalidade, são planejamentos errados, conjunturas mal elaboradas, modificações de supetão na nossa vida que nos deixa perplexo. São como amores que atravessam um relacionamento dito monogâmico e estável. Vem com gradação de F5, destruindo tudo que vislumbra pelo caminho, não respeita convenções da OIT, ONU, OMS, OPEP ou coisas mais importantes. Fico embasbacado com tanta arrogância do destino ao tentar tirar de mim algo que por direito da força histórica já é meu. Quer ainda, que me contente cabisbaixo com o pesar do próprio fardo. Mesmo que seja só mudar, por exemplo, de quarto, dentro da mesma casa que vivo há décadas.

São como os amores arrebatadores que atravessam os afetos já construídos. Eles avassalam sem piedade qualquer racionalidade, o que se deve fazer é somente esperar motivado por eles, um belo epitáfio.

Thursday, April 06, 2006

Dialógo Dadaísta vol. 2

Oh, que belo céu de chícaras púrpuras
cheirando á orégano fresco na trepadeira

Oh, que nórdico calor no mês de março sinto eu meu cerebelo
estirpando o azeite minhas linfas

A que horas toca a jasmineira? Sim a jasmineira que em hebraico fala às datas do calendário chinês
Compreensível quanto o roronar de um pássaro, o latir de um coelho
o gaitar de um corvo e o rosnar de um jacaré.
não menos belo é o piar de um leão e o relinchar de uma lhama.
Só sei que em nada acredito

Mas tambem sei que é bem provável que o nada se torne, com materia universal, alguma coisa
daí acabo crendo nele sem querer crer.

Wednesday, July 27, 2005

O fantástico Poder da Inércia

Ao redor da minha cama um poço de lava ardente uma alma que clama.
O meu lençol é o mais puro chumbo feito anos para durar elevados à grosa e não me deixa levantar desse mundo.
Nem quero sair desse aconchego com o conforto que a mim compete, com a inércia que recebo.
Sinto o sangue coalhar nas veias pelos movimentos que renego e nos pés do dormidor já colecionan teias.
Quem me dera ser crente para acreditar num só deus qualquer mesmo que Onipotente.
Será que ele me libertaria da larva dos grilhões (que aconchego) e da inércia me tiraria?
Até que o fim é Democracia meu EU interior pede o aconchego de outrora conhecido por Tirania
E o sono bom de dormir brada à mais um dia que raioufingo que escuto e volto a bramir.

Friday, July 22, 2005

O Suicida Redundante

O suicida redundante


Carnes trêmulas,
lâmina trepida
que assombra
a veia aguda.
Dilatada a pupila corta,
A veia aguda.
A saliva seca,
que desmonta
a garganta lógica,
convulsa no eco abrupto.

A negra visão do
vermelho sangue
revela verdes virtudes
triunfantes no branco olhar .
A estética forja
no léxico vernáculo,
adjetivos; apostos; vozes
em tempos venais.

E o fio gelado cinza.
Viola a rosa quente carne.

Deleitada, a veia vaza
jocosa e métrica
leva ao fosso vácuo
furioso, vil, fútil
o vermelho sangue
que gélido, quieta.

É absurda a essência
alva de pureza
sublimada de angústia
que pasma à efemeridade



O suicida redundante
que matou-se a si mesmo
necessita de mais coragem
para executar consigo
sua mundana covardia.